terça-feira, 31 de março de 2009

Lugarejo

Novo conto da Sra. Yfy (aqui e aqui), uma mulher que deseja intensamente viver e escrever, mas que optou pelo conforto e a aceitação social.

Quase não acreditei quando ouvi essa história, e tem outras perversas demais para ser contadas. Um lugarejo numa comunidade pequena com umas cinquenta famílias perdidas no meio do mato. A velha senhora colocou uma ponta de galho no fogão a lenha e contou como tudo aconteceu.

"Era uma vez uma moça linda, que nasceu pro lados de cima", ela, a velha, morava pro lado de baixo. "Bem, era uma moça linda que todo mundo olhava e dizia é um anjo. O pessoal da cidade que às vezes vinha pra cá garantia que ela poderia ser miss. Um dia a moça conheceu um rapaz da cidade, e era um tal de andar juntos por todos os cantos. A mãe, ressabiada, contou a verdade logo de cara. Eram irmãos. Se desgrudaram, ele foi embora. Ficou grávida, nasceu a criança, e ela enfiou um garfo na goela do bebê, que morreu engasgando sangue.

"Daí começou o tormento da família. O pai ficou louco e pegou a filha. A mãe morreu de desgosto e a filha casou com o pai. Teve um filho que o pai mesmo fez o parto e enterrou no quintal. No dia seguinte o cachorro andava com o bebê na boca.

"E não acabou aí a desgraça, seu moço. O pai fez outra filha na filha, e depois, muitos anos depois, fez filho na neta."

sexta-feira, 27 de março de 2009

Jóias são para sempre, o amor talvez

- como foi o aniversário?
- bom demais. estou na base do engov agora.
- ganhou muitos presentes?
- muitos. as coisinhas mais lindas.
- ganhou o que do maridão?
- ex. saiu a separação. jóia. nem sei onde vou usar de tão cheia de pedras. uma pulseira de escrava.
- ele vai passar mais uns anos tentando te comprar. devia ter dado uma recompensa pra ele.
- pára bobo.
- ah, pelo menos uma punhetinha com a pulseira no braço, pelos bons tempos.
- que bons tempos? tá louco?
- você me falou que foram felizes.
- mas ficaram as mágoas da separação, você sabe.
- então faz uma pra mim, com a pulseira. de vingança.
- bobo.
- faz?
- faço.

:: 25.11.2008 ::

terça-feira, 24 de março de 2009

Não me chame para dançar depois do campari

Minha amante me chamou de mentiroso cínico e minha mulher me deu o fora. O final de semana prometia. Acabei em companhia do "velho jack". Uns goles depois, eu choramingava um blues no boteco. Elas me atiram num abismo daqueles, e nunca me ensinaram a esquecer.

O garçom tentava pegar o microfone da minha mão, ameaçando me botar para fora. Eu gritava "eu paguei, tenho direito de cantar qualquer coisa, e mulher não presta mesmo!". Depois, no balcão, sentado ao lado de uma das moças que não vão ao bar por divertimento, ouvi: "Fica assim não queridinho, mulher é tudo igual, nenhuma vale o seu sofrimento. Chega aqui que te faço um carinho."

"Igual uma ova! As minhas são boa gente!" Fim de noite é quando você passa do jack para o campari. A um flash dali eu, sozinho, esparramado no sofá da portaria do prédio, olhava o salão pela porta de vidro e lembrava como eram simples as festinhas americanas, meninos levavam gasosa Cini, meninas, os salgados e doces, a dificuldade e o simbolismo de "chamar para dançar". Hoje eu danço sozinho.

:: 13.02.2004 ::

sexta-feira, 20 de março de 2009

Full monty na casa do Zé

CAPÍTULO 3

Mas a encrenca não terminou com os estripes. As barangas estavam a ponto de bala, cada uma sabendo qual chippendale ia devorar. Mas o Zé, ensandecido de vinho, foi direto para cima da loirona, que não ia ficar com ele porque ele era "namorado" da loirinha. Assim, ao invés de dar o "teco" programado, o Armando passou o resto da noite aguentando as lamentações da loirinha. E o Zé investindo na loirona, que escapava feito leitoa besuntada.

Quando começou a choradeira todo mundo resolveu ir embora. A morena deu carona para o Reinalto, e a loirona ia dar carona para o Luiz Armando e a loirinha. Mas não é que o Zé se enfiou no meio e foi junto? Sò de calça jeans, descalço e sem camisa. Atrapalhou de novo. Então o Armando ficou em casa (jurou que ia espancar o Zé depois), a loirinha desceu do carro reticente, e a loirona teve que devolver o Zé. Em frente ao prédio, no carro, eles até deram uns amassos.

E o Reinalto? Dormiu com a sensação de que tinha se dado bem ao lado da morena magnata, no apartamentão dela. Quando acordou de ressaca, a cabeça explodindo, os olhos secos e lacrados, sentiu um corpo abraçado ao dele. Começou a lembrar da noite anterior, bateu ressaca moral. Pior, sentiu um beijo no rosto acompanhado de uma bafinho amanhecido. Com dificuldade semicerrou as pálpebras e deu de cara com a "conquista" da noite. Ela era feia, mas de feiúra doída em que não se acha nem umas curvas para justificar as derrapagens. "Bom dia, amor", ela disse. O Reinalto, sempre cuidadoso com as palavras, respondeu com toda doçura: "Mato aquele filhadaputa do Zé!"

:: 16.09.2008 :: Capítulo final da primeira e emocionante mininovela publicada no MCP

quarta-feira, 18 de março de 2009

Full monty na casa do Zé

CAPÍTULO 2

Os caras da turma do Zé podiam até ser meio falhos no que se refere a fidelidade com namoradas e afins, mas fora isso, que é da natureza humana, eram de cumprir a palavra dada. Como perderam o jogo foram se preparar para os estripes.

Como homem não fica pelado na frente de homem, cada um se apresentou isoladamente. As moças sentaram faceiras no sofá e começou pelo Zé, que era escrachado e todo mundo sabia. Deu suas reboladas, tirou a roupa, esfregou a cueca na cara delas (sem tirar) e saiu sob aplausos. O Reinalto era tímido e sem jeito com essas coisas de dança, mas com litro e meio de vinho na cabeça até que se embalou, terminou o estripe só de camisa, balançando os bagos nas pernas da morena, que não se fez de rogada e colocou uma nota de dez no bolso dele (da camisa, cuja ele não tirou e só abriu os botões). Enquanto isso o Luiz Armando não saía do banheiro. Estava morrendo de vergonha.

Parênteses — A cena que se seguirá lembra muito uma vez em que fomos com o grupo escoteiro visitar uma fazenda. Vimos plantações, criações (porcos, gado etc.) e depois do lanche fomos para o abatedouro. Em meio àquela sensação esquisita assistimos a matança de um porco, um boi, mas a coisa pegou mesmo na cordinha em que estavam os coelhinhos pendurados. O peão matou um pra mostrar como se fazia, e perguntou se alguém queria experimentar. No grupo tinha uma menina tímida e frágil que era um docinho. E o pessoal, de sacanagem, apontou pra ela. Embaixo daqueles oculozinhos de aro, ela disse não, mas o povo fez torcida e ela acabou cedendo. Pegou trêmula a peixeira e vacilante cortou a jugular do segundo coelhinho da fila. O que se seguiu foi um massacre. Baixou o santo na menina e ela matou os outros dez coelhos. A gurizada ficou estarrecida. Não sobrou para ninguém. No fim, ela devolveu a faca cheia de sangue para o peão e saiu do transe.

Deu para traçar o paralelo do que aconteceu com o Armando? Depois de muito não-não e da torcida das meninas, ele foi empurrado pra sala. E lá, ao som dos Stones, baixou um mick-jagger-vedete nele, o rapaz deu um show de gingado e ritmo, tirou até a cueca. A mulherada foi ao delírio (menos a loirinha, que fazia de conta que não via porque achava que era namorada do Zé; ela tapava os olhos com a mão mas enxergava entre os dedos, óbvio). Diz que até umas pegadas o Armando ganhou.

:: 16.09.2008 :: Primeira novela publicada no MCP. Aguarde as emoções do últimon capítulo, na sexta.. Conto originalmente publicado, numa paulada só, n`O Coletivo

segunda-feira, 16 de março de 2009

Full monty na casa do Zé

CAPÍTULO 1

O Zé jurava que elas davam pro gasto. E se não dessem, o garrafão de vinho resolvia todos os lados — ajudar as moças a se soltar ou diminuir a seletividade estética dos caras. Vinho barato e forte, pizzas de supermercado, blim-blom na campainha e elas entraram meio desconfiadas. Mais cabreiros ficaram o Luiz Armando e o Reinalto quando viram a loirinha-magrelinha (belisco do Zé), a loirona-banquete-de-tribo-de-canibal e a morena-capa-de-revista-globo-rural (é, ela era veterinária).

Mesmo assim começou o embiritamento. Os caras olhavam torto pro Zé, que tentava se desvencilhar da loirinha grudada nele e dava uns pitacos na loirona porque o negócio era variar. Mas o vinho rolava acintosamente e a loirinha começou a ganhar umas curvas, a loirona a perder uns quilões e a ficar com a bundona gostosa e a morena, bem, pelo menos ela era rica.

Nos finalmentes da pizza e derrotado o primeiro garrafão de vinho (o outro devidamente "refrigerado" aos poucos numa leiteira no freezer), começou um jogo de cartas "meninas contra meninos". O Zé teve a idéia esplêndida: quem perdesse teria que fazer estripe ali na sala. Mas não é que as moças eram boas de carteado e deram uma surra nos três?

:: 16.09.2008 :: Primeira novela publicada no MCP (em três partes). Conto originalmente publicado, numa paulada só, n`O Coletivo

sexta-feira, 13 de março de 2009

Nada convencional

Hoje resolvemos publicar um extra (presente de final de semana), numa sexta de contribuições (tem muitas mais prontas para "irem ao ar"). O Fernando Ramos também dispensa apresentação aqui no MCP. Já publicamos continhos sensacionais dele, que tem uma característica especial: em geral ele nos superara na perversão. Dá-lhe, Fernandão!

Ela morreu depois que ele ejaculou. Como se pode prever, de forma completamente abrupta.

Ninfomaníaca que era, tinha um nível elevado de desejo e fantasias sexuais, como todo indivíduo portador da doença. Mas extrapolou quando quis fazer sexo oral em Sebá. Não apenas porque talvez se enveredaria pela primeira vez em campo de grotesca perversão sexual, mas porque o quadrúpede – um puro sangue que seu pai criava com o maior zelo na fazenda – além de ter um membro desproporcional, coisa inerente à raça, também jorrava mais de um litro de sêmen. E ela tentando deglutir tudo afobadamente, se afogou.

Mas segundo alguns frívolos que apareceram ao velório unicamente para assuntar e fofocar sobre a defunta, tão abalado quanto seus pais ficou seu pastor alemão de estimação, que agora só grunhia, não queria mais comer, nem brincar ou passear.

e-mail numa terça chuvosa curitibana


O Victor Hugo dispensa apresentações aqui no MCP. Se alguma(m) das(os) leitoras(es) quiser saber dele, dá uma procuradinha nos posts antigos (marcador CONTRIBUIÇÃO). Desta vez ele (que provavelmente não tem blog por falta de tempo) veio de microconto. Apreciem a sutileza...


Esta manhã sonhei com vc, acordei com os dedos molhados e um longo e satisfeito sorriso.

Bjs em vc

terça-feira, 10 de março de 2009

Lei Federal nº 11.340/06

A noite foi insana. Soltamos todos os bichos. Pegadas fortes sim, mordidas, muita troca de fluídos, puxões de cabelo. Tudo aquilo que era ou não permitido e recomendado. Depois entrelaçamos os corpos suados e melados nos lençóis e dormimos.

O sol das dez através das cortinas nos acordou. Pontada forte de ressaca na minha cabeça, um pouco de ressaca moral nos dois. Depois de saborear o olhar e o sorriso matinal dela, observar nossos corpos foi uma sequência de descobertas tragicômicas. Nela, meus dedos impressos nas coxas e braços, e quando levantou se sentiu desancada. Em mim, dentadas e vergões em alto relevo. Ao redor da cama, alguns tufos de cabelos longos. Olhando com mais atenção, lábios inchados e mais marcas em ambos.

Naquela semana eu seria refém. A qualquer momento ela poderia entrar na delegacia e evocar a Lei Maria da Penha. Mesmo (relativamente) inocente eu não teria argumentos para me defender.

:: 09.03.2009 :: Nossa homenagem, atrasada, pra variar, ao 8 de março (que devia se chamar Dia do Sexo Frágil, e não Dia da Mulher

sexta-feira, 6 de março de 2009

A camomila pode mudar sua vida para sempre

O Bilo era aquele amigo da turma que por ser meio lerdo todo mundo sacaneava. Nem faz cara feia que isso, na adolescência, é inevitável. A turma recompensava a maldade aguentando as loucuras dele, que não eram poucas.

Não tinha uma vez que iam na casa dele à noite que não deixavam o alarme ligado na saída (era só girar uma chavinha). De longe se ouvia o "uó-uó-uó-uó" e o pai do Bilo gritando "Filhadaputas!".

E como estavam naquela fase rock'n'roll, um dia alguém teve a idéia genial de estourar um saquinho de camomila, fazer uma trouxinha e levar na casa do Bilo dizendo que era maconha. No quarto dele, de um jeito meio improvisado (ninguém tinha "o jeito", ainda), apertaram o baseadinho e foram para a rua fumar. Isto é, para ELE fumar.

Mas não é que na segunda "prensada", a coisa começou a bater no Bilo? Ele disse que estava mareado, "as cores estão mais fortes, bichoooo ". Foi aí que o babaca do Zé explodiu numa gargalhada, seguido do resto da turma. Pô, era para deixar a história rolar mais!

Confessamos pro Bilo a brincadeira e ele nem ficou chateado. Uns dias depois, a mãe dele interrompeu nossa partida de videogame com uma bandeja com xícaras fumegantes de chá de camomila: "É o preferido do meu filhote agora. Vai uma caixinha por semana."

:: 04.02.2009 ::

terça-feira, 3 de março de 2009

Deus viciado

- Sabe porque te deixo morrer e sofrer? Porque posso.
- Pouco importa. Somos uma geração de degenerados autodestrutivos. E não venha com essa de fantoches. Tenho certeza sou dono da minha vontade.
- Nenhum dos meus profetas jamais falou o contrário.
- Mas se você diz que deixa sofrer porque pode, confirma a teoria de que não há como ser deus sem uma grande dose de vaidade.
- Sim. Eu sou o prego, tu és a mão, e o mundo, a cruz.
- Ah, também aprendi a fazer analogia: o mundo é a ferida, nós somos as larvas e os anjos, as moscas.
- E eu?
- Continua sendo deus.

:: 03.11.2008 ::