terça-feira, 27 de setembro de 2011

Conselho se fosse bom a gente ouvia

O Armando estudava medicina e dividia a república com o Zé. Compartilhavam panelas, confissões e algumas dívidas. Eram tempos difíceis e já no terceiro ano de faculdade começou a fazer plantão na maternidade Nossa Senhora das Graças, por necessidade, pois o dinheiro ajudava nas despesas.

No hospital tinha uma enfermeira que era freira. Italianinha viçosa de olhos azuis, pele bem branca e cabelos pretos. Na falta do que fazer nos plantões que viravam noite, de tanto papear ela e o Armando ficaram próximos. Pois o Zé se engraçou com a freira numas visitas que fazia ao amigo, que começaram a ficar insistentes.

O Armando falou pro Zé tomar cuidado que ele não sabia com o que estava se metendo, que existe profissional na cidade para esses alívios. O Zé se indignou, acusou-o de preconceito religioso. Além do mais, a pureza e inocência da freirinha lhe exerciam uma atração imensa, e fazia meses que estava a perigo.

Numa tardinha a tentação foi mais forte e o Zé encontrou "por acaso" a freirinha na saída da maternidade. Convidou-a para um café e, para sua surpresa, aconteceu naquela noite mesmo. Aproveitaram que o careta do Armando estava de plantão. Como foi inesperado, o Zé estava sem camisinha e fez na base do coitus interruptus.

Dias depois o Armando surpreendeu o amigo com uma caixinha de antibiótico: a freira lhe passou gonorréia. Achou uma pena que o Zé não tivesse se previnido. Com mais encontros teria experimentado o tapete voador, técnica de fornicação que a freirinha importou de uma missão humanitária no oriente, notória entre os estudantes de medicina.

:: 26.09.2011 ::

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Lapso de ressaca

Passamos o final de semana na chácara, foi a maior festança. Só que na hora que resolvi voltar não achei a chave da caminhonete. Procuramos por tudo que é lugar mas nada de encontrar. Odeio esses lapsos.

Acontece que acordei na maior ressaca e fui no mercadinho comprar um refrigerante pra rebater. Então era certeza que na volta eu tinha trancado a chave dentro da caminhonete, e como um chaveiro ir naquele fim de mundo seria quase impossível, optamos pela solução rápida: quebramos o vidro da porta. É meio doído, mas foi o jeito, e a película até ajudou a não fazer tanta sujeira com os caquinhos de vidro.

Tudo bem, entrei, sentei no banco e... cadê a chave? Não estava na ignição nem em lugar nenhum da cabine.

Resolvi refazer o caminho que percorri depois que cheguei com o refri. Encontrei no lugar mais improvável. Juntando a ressaca com o desespero para pegar o gelo, acabei deixando a chave do lado das formas no congelador.

O pessoal ri de mim até agora, e alguma coisa diz que nos próximos encontros, sempre que eu não achar a chave ou os documentos, eles estarão "guardados" na geladeira.

:: 18.08.2011 :: Conto levinho, criado assim pra não assustar os leitores da revista "Sobre Rodas", de Foz do Iguaçu; aos poucos vamos perversar a coluna

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Opala vermelho (parte 6 - epílogo)

Eu e minha namorada conversávamos dentro do meu opala vermelho. Eu sabia que ela só confessava porque estava dopada.
"E daí? Que você havia transado com ele eu já desconfiava", eu disse, disfarçando a voz embargada.
"Foi sem proteção. Engravidei. Desculpa. Eu não quero acreditar. Eu vou tirar. Meu deus do céu, desculpa, eu vou tirar!" e desandou a chorar.

Minha namorada estava grávida. Dei-lhe um beijo demorado. Ela ficou sem ação.
"Não vai tirar coisa nenhuma. Vai ser um bebê só nosso. Alguém pra gente cuidar. Amo você". Acho que foi o momento em que me mantive mais forte em toda minha vida. Já estava tarde. Em Curitiba os domingos são extremamente silenciosos à noite. Passamos na Rua 24 Horas e comprei uma garrafa de vinho tinto. Vinho bom. "Vamos comemorar". A vida de quem ama tem que ser assim, uma comemoração atrás da outra.

Cabeceira da serra, céu estrelado. Tomamos o vinho e nos amamos escutando Lou Reed no toca-fitas do opalão vermelho. O toca-fitas que ela me deu. Ela era um Satellite of love no nosso planeta-opala. Depois do sexo nossos corpos suados esfriaram. "Vamos pegar o cobertor no porta-malas", sugeri. Desce comigo.

Ela ficou satisfeita por eu pensar em tudo. Abri o porta-malas. Estava escuro. "Me ajuda a procurar. Não tô enxergando", pedi. Ela se abaixou: "Não tem cobertor aqui..." Antes que levantasse deitei-lhe a garrafa vazia na cabeça. O golpe foi rápido e eficiente. Não desmaiou, ficou atordoada. Tranquei o porta-malas.

Minha namorada começou a chamar meu nome achando que era brincadeira. Dei a partida e levei o carro em marcha lenta até a beira do precipício. Ejetei a fita que já havia parado de tocar e coloquei no bolso. Engatei a primeira, pulei do opala em movimento até vê-lo despencar devagar montanha abaixo. Mereciam um fim digno.

:: 04.07.1995 ::

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Opala vermelho (parte 5)

Nem tudo é perfeito. Na noite seguinte minha namorada estava estranha, não consegui perceber por que. No sábado saiu cedo com o opala sem dizer onde ia. Esperei o dia todo. Nada. No domingo andei pela cidade atrás dela até encontrar o opala vermelho parado na frente de um bar. Ela estava lá dentro com o Vaguinho. Ao me ver tentou se esconder. Estava drogada.

Tive que peitar o marginal para poder levá-la comigo. Assim que começamos a rodar ela chorou muito. Confessou que havia encontrado uma buchinha de cocaína na roupa do michê, que não resistiu e guardou para usar depois. "Pra quê? Não tava tudo legal entre a gente?" Antes ela era viciada. A gente se conheceu quando ela estava se tratando para largar.

Dei-lhe um abraço, trazendo-a bem perto de mim. Falei que a gente superava aquilo. Ela se acomodou feito uma menininha no meu peito.
"Por que você foi atrás do Vaguinho? Queria mais droga?" perguntei.
"Também. E tenho que contar uma coisa para você" ela estava com aqueles olhos de quem está fora de controle, injetados e tristes. "Você me aceita como eu sou, certo?"
"Certo."
"Com todos os meus defeitos, né? E você sabe que te amo."
"Gosto de você assim, do jeito que você é, minha loira."
"Sabe aquele toca fitas, eu não comprei com dinheiro. Pedi pro Vaguinho arrumar um pra mim. É uma coisa que eu queria muito dar pra você e eu não tenho condições."
"Eu já sabia disso. Eu conheço você, e gosto de você assim."
"Mas o Vaguinho não faz nada de graça, eu tive que dar pra ele. Não foi bom. Foi ruim, sujo."

Minha garganta apertou, o coração começou a bater forte. É difícil escutar esse tipo de coisa assim, na lata. Parei o carro.
 
(continua)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Opala vermelho (parte 4)

Passei quase uma semana sem ver minha namorada, mas não resisti. Nem mesmo o opala vermelho tinha graça sem ela. Comprei flores e passei na casa dela. Tinha esquecido que minha namorada havia se tornado loira. A mãe dela não estava. Melhor. Fizemos as pazes.

Tudo voltou a ser como antes. Fizemos uma viagem no aniversário de namoro. Fomos até o litoral catarinense: Itapema e Bombinhas. Meio de semana, praias inteiras quase exclusivamente nossas. Algumas noites dormimos em pousadas. Em outras, o opala serviu de abrigo. Eu gostava de ficar olhando para ela, que brincava feito criança nas ondas do mar.

Na volta, nos amávamos feito nunca. Sensações cada vez mais intensas. Teve um dia em que resolvemos lembrar as antigas aventuras e fomos incomodar os michês na praça Ozório. Era o máximo pra eles quando apareciam mulheres atrás de programa. Estavam acostumados com velhos fedidos. Pegamos um bem novinho, no máximo 16 anos. Minha namorada sabia para quê.

"A gente vai fazer no carro mesmo" ela disse. O garoto estava nas alturas. Paramos fora da cidade numa estradinha vicinal. A noite estava sem um pingo de luz. Ela desceu do opala, sentou no capô e abriu a camisa. O garoto foi pra cima. Assim que se aproximou para tocá-la ela o empurrou violentamente com o pé: "Primeiro tira a roupa!" O corpo dele chegava a ser feminino de tão frágil.

Desci do carro com o pretexto de observar a nudez do rapaz. Ele se aproximou da minha namorada, tocou nos seios dela. Dei-lhe um safanão que ele quase desmontou sobre o capô. E outro que o atirou ao chão. Ela juntou as roupas dele e correu para dentro do opala. Antes de entrar, observei o garoto encolhido na terra batida, tremendo de frio e medo. Arranquei erguendo poeira. Minha namorada gritava de alegria. Eu via a satisfação nos olhos dela enquanto revistava as roupas e fazia uma trouxa que jogamos num carrinho de catador de papel.

(continua)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Opala vermelho (parte 3)

Resolvi apresentar minha namorada para minha mãe, que fez um jantar especial porque eu pedi. Ela apareceu com o cabelo pintado de loiro. Minha mãe estranhou, pois eu já havia descrito, e muito, a "amiga" que ia nos visitar. De certo modo, acho que ela fez aquilo para me atingir. Por outro lado, no jantar se comportou feito uma dama e isso me agradou muito.

Depois saímos de opala, ela dirigindo, e passamos um bom tempo zoando. Numa esquina havia dois rapazes bem vestidos que pediram carona. Ela parou e convidou para entrarem no carro. Não fui nem um pouco simpática e ela notou. Mas não deixou de se insinuar para os dois. Encostou o carro perto de um bar — o lugar para onde eles estavam indo. Um deles tentava ser legal comigo. Isso me desarmou. Nunca fui mal educada.

Minha namorada se aproveitou e sugeriu que trocássemos de lugar — até ali estávamos as duas no banco da frente. Aquilo me revoltou. Falei que não estava passando bem. Os rapazes ficaram no bar e nós fomos até um dos nossos lugares. Ela tentou se justificar, disse que só queria se divertir um pouco, sair da rotina. Eu estava furiosa, cheguei a bater nela. Eu perdia o controle quando sentia que ela tocava em mim como quem puxa um prepúcio. Naquela noite não houve mais carinho.

(continua)

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Opala vermelho (parte 2)

Eu e minha namorava curtíamos a vida no meu opalão vermelho. Então um dia resolvi ensiná-la a dirigir. Ela sempre foi meio burrinha para pegar as coisas. Íamos no estacionamento do parque Barigui, que ficava vazio nos dias de semana. Um susto pra cá, uma morrida ali, aos poucos ela foi se adaptando. No dia que aprendeu pra valer a gente estourou uma champanhe e comemorou vendo o por do sol, num lugar secreto que só eu conhecia.

Minha namorada ficava linda dirigindo o opala. Tiramos várias fotos dentro e fora do carro, em cada lugar que a gente ia. No meu aniversário ela me deu um toca-fitas dos mais caros. Fiquei emburrada pra saber onde é que conseguiu dinheiro. Ela me disse que estava há tempos guardando, só para me comprar um presente legal. Era mentira mas eu fiz que acreditei. "Se a gente ama, tem que fechar um olho" minha mãezinha dizia. Na verdade ela deve ter pedido o toca-fitas para um ex-namorado dela, o Vaguinho. Ladrãozinho barato de carros. Com certeza ele não entregou o som de mão beijada. Provavelmente ela teve que dormir com ele. Tudo bem, certas coisas eu não posso dar a uma mulher.

(continua)