quarta-feira, 20 de março de 2013

Na chuva ainda sou

Hoje uma gota de chuva solitária veio beijar meu ombro bem no lugar que você beijou quando se despediu. Eu não imaginava que era um adeus. Engraçado, estava com a mesma blusa. A gota escorreu pelo contorno do seio e secou na pele quente. Impossível não lembrar de você na intensidade dessas estranhas coincidências. Chuva que disfarça lágrimas, não as minhas, nunca, rebate as sensações de não estar com você mesmo sendo ainda tão sua.

:: 07.12.2007 ::

quinta-feira, 7 de março de 2013

A escolha e o surto

A Valéria, amiga querida, que tivemos o prazer de conhecer quando éramos mais novo(s) que o guri da história, nos supreendeu com este conto libertador. Nada melhor que compartilhar com vocês.

Marina, uma respeitável senhora, casada com um general da reserva trinta anos mais velho. Trajava sempre vestidos que iam até o joelho e fazia um coque no cabelo assim que levantava da cama. Lembrava todos os dias, enquanto fazia seu coque, do seu primeiro homem, o único antes do general, soltando e emaranhando o seu cabelo na cama: como ela gostava daquilo! Seus pais jamais cogitaram que o namoro prosseguisse: “o rapaz não tem futuro algum com aquela guitarra”. Acabou se transformando num músico de uma banda londrina famosa assim que perderam contato.

Durante aquele mês, estava hospedando o filho de uma grande amiga, Diego, 21 anos, que procurava emprego na capital. Menino lindo, alto, másculo. No auge da sua beleza, o guri era mais interessante ainda por não suspeitar do poder que exercia sobre as damas respeitáveis da sociedade. O vira nascer, quando ela e a amiga ainda eram adolescentes no interior. E assustou-se quando bateu à sua porta aquele homem feito.

O general, por sua vez, passava as tardes jogando xadrez na praça e a tratava como se fosse ela um soldado. Chamava-a de “minha filha” e exigia uma disciplina militar da esposa.

Até que numa tarde, o guri, espichado no sofá, morrendo de tédio, grita para ela:
- Tia, você quer ajuda com a louça?
- Não, obrigada, querido! Isso é tarefa minha.

Depois de minutos:
- E as tarefas do tio, ele tem cumprido?? - Diego, já em pé na cozinha, mordendo uma maçã.
- Mas é claro! - Marina, em tom estupefato com a audácia do menino!

E assim, na lata, com toda naturalidade e calma, Diego devolve na hora:
- Sabe, tia, não parece não... - morde a maçã - você quer transar??

Marina emudece e olha para trás boquiaberta, num movimento lento, mal acreditando no que ouviu, nunca tinha visto tanta petulância na vida. E com o coração acelerado:
- Diego, eu vou falar com sua mãe sobre isso! Você não pode me faltar assim com o respeito.

O guri, acostumado a reconhecer estes "nãos" que significam “vem logo, que tô facinha”, aproxima-se, larga a maçã e cala Marina com um beijo daqueles, que para a gurizada de hoje são muito naturais. Os joelhos da mulher amoleceram com a pegada dele. Transaram. No balcão da cozinha, no sofá e quatro vezes na cama. Só pararam porque o general estava para chegar.

No dia seguinte, Marina levantou da cama e se olhou no espelho. Cortou os longos cabelos castanhos na altura dos ombros e não os escovou, bateu-os pra baixo para deixá-los mais armados. Com o barbeador do general raspou uma área acima da orelha. Vestiu uma calça azul vibrante, que estava sem uso. Um tênis All-Star velho e uma camiseta branca. Olhou-se no espelho, dispensou o sutiã pra ficar mais provocante. E quando estava saindo do quarto, lembrou d gandola do general no armário. Com um vidro de errorex fez uma arte qualquer e foi a pé ao mercado. Na frente da gandola havia escrito “100% ROCK'N'ROLL”, E nas costas, pra quem se virasse para olhar, um “FODA-SE”.

terça-feira, 5 de março de 2013

Investida com arte

A vida é muito curta para deixar de fazer o que se gosta, ou fingir ser o que não é, somente pela imagem que achamos que vão fazer da gente. Foi o que a convenceu a sair comigo. Pois quem vê de fora pode recriminar uma mulher que sai comigo.

Por exigência dela fomos para um lugar discreto. Lá dentro, bem, conheço um pouco da arte da sedução, o que me garantiu o que eu realmente queria. A consciência dela pode ter até tentado repelir minhas investidas, mas não teve jeito: ela deu.

Depois do ato levantei e fui ao banheiro. Grandes olhos brilhantes me acompanharam até eu fechar a porta. Essa história de mulher querer carinho depois é porque não gozou. Logo pedi para ela me levar ao boteco. Esperei que ela se convidasse para me acompanhar, mas ela não ousou. Fiquei na companhia da cerveja e voltei para casa sozinho. Naquela noite eu não precisei sonhar.

:: 07.07.2003 ::