segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Quando o dia das crianças não faz mais sentido

Depois de muito pelejar na clínica, acabei me estabelecendo como psicólogo de um colégio particular na capital. Uma escola notadamente da elite e que pagava muito bem. Nada do que eu presenciei desde os tempos de faculdade, desde as histórias cabeludas contadas pelos professores e por minha experiente terapeuta, nada me preparou para o que eu vou contar.

Eu já estava acostumado o lidar com essa gente. A maioria dos casos estava relacionada à fragilidade inerente à psiquê de quem tem tudo que quer. Algumas vezes, até, tinha que reequilibrar professores após enfrentarem a petulância dos alunos e a arrogância dos pais, felizmente exceções, mas bastante desagradáveis.

Então alguma coisa na “saúde mental” da escola saiu dos trilhos. Dava para perceber nos corredores e nos pequenos casos de histeria que eu tinha que administrar. O alarme soou mesmo quando uma aluna bastante amadurecida fisicamente pelos, vamos dizer, quinze anos, começou a se insinuar para mim. Justamente eu, que na época não costumava cuidar da aparência e menos ainda do guarda-roupas. Eu que fazia questão de passar despercebido em todas as ocasiões.

Comecei a investigar, conversar detidamente com cada aluno que entrava em minha sala. Busquei o significado por trás de cada palavra ou somatização. Estive mais presente nos corredores observando as manifestações e burburinhos. E, claro, entrei a fundo (sem trocadilho) no caso da aluna que me ofereceu quase que escancaradamente suas virtudes.

O que minha intuição já sugeria, a conversa com um garoto revoltado após uma briga confirmou. O pequeno Bruno se atracou com um atleta do time de judô, apanhou feio, e mesmo assim não se rendeu. Chegou a minha sala retraído. Transpirava revolta. Depois de rodeios profissionais, muita confiança conquistada, e antes de chamarmos os pais à escola, ouvi o pequeno confessar que o judoca se gabou de o pai ter transado com a garota que ele, Bruno, gostava.

Comecei a chamar aquele movimento de “Mandala de Electra”. Um grupo de doze a treze garotas que se desafiavam mutuamente a seduzir os pais umas das outras. Sobrou pra mim, inferi, porque o pai de uma delas morava em Londres.

Cumpri meu papel e denunciei o “joguinho” perigoso ao conselho da escola, que era a quem eu me reportava (sim, eu exercia uma espécie de auditoria moral em relação aos corpos discente, docente e ao diretor). Nas investigações e interrogatórios que se seguiram, descobriu-se que mais da metade das componentes da “mandala” logrou êxito no desafio.

É bom frisar que se trataram de investigações de caráter administrativo. O caso foi sumariamente abafado e a polícia não tomou conhecimento. Aliás, tomou, porque não aceitei e denunciei: delegado, ministério público, juiz e até jornalistas. Ninguém moveu um dedo.

Não sei que proporções, nos dias de hoje, na era da transparência, um escândalo deste tomaria. O fato é que perdi o emprego e, evidentemente, abri mão da paternidade.

:: 28.09.2015 ::